Uma Igreja em saída e sem muros é uma Igreja com pontes e portas abertas – inclusive a porta do armário. Essa é a metáfora para aqueles que assumem com coragem quando sua identidade de gênero e a orientação sexual não é conforme a normatividade de instituições e culturas conservadoras. Ainda que com avanços e tropeços, a realidade da população LGBTQIA+ católica tem ganhado os holofotes e se fortalecido rumo à igualdade e ao reconhecimento da sua dignidade.
Para falar desse desafio e dos sinais de esperança que a “saída do armário” gera, o padre inglês James Alison participará do IHU Ideias desta quinta-feira, 07-04-2021, às 17h30min. A conferência, intitulada “Sinais de esperança em face ao colapso do armário. Encruzilhada para a comunidade cristã LGBTQIA+”, será proferida em português, transmitida pelo canal do IHU no Youtube e página do Facebook.
A participação é livre e gratuita.
James Alison é teólogo católico, padre e escritor, obteve seu doutorado pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte - FAJE em 1994 e é teólogo sistemático de formação.
Sua trajetória acadêmica e pastoral estão compartilhadas em livros como:
Alison é especialista na obra do francês René Girard. Alia sua pesquisa sobre a teoria mimética com o acompanhamento pastoral das populações sexualmente discriminadas. Na década de 1980, quando surgia a pandemia de AIDS e com ela se intensificava o preconceito e a violência contra os homossexuais, o então padre dominicano e doutorando em Teologia na FAJE despertava as primeiras reflexões sobre a Pastoral da AIDS, do Brasil para o mundo.
James Alison (Foto: Religión Digital)
Embasado nos seus estudos sobre Girard, Alison escreve sobre a relação entre o sacrifício de Jesus na Cruz e as vítimas da violência contemporânea, e como essas pessoas precisam viver libertas do pecado.
“A Sabedoria da Cruz atua fazendo-nos suspeitar de nossa própria justiça quando estamos envolvidos em outro assassinato coletivo como o que Jesus sofreu. Como René Girard apontou, não foi porque nos tornamos mais racionais que paramos de queimar bruxas. Foi porque não podíamos mais acreditar verdadeiramente em sua culpa que nos tornamos mais racionais. Não é necessário buscar causas distantes e impessoais para as coisas se tiver uma maneira rápida e fácil de resolver um problema social local: um pequeno bode expiatório”, escreveu em artigo publicado pelo IHU.
Embora Girard nunca tenha se aprofundado no tema da homofobia, para Alison o pensamento girardiano pode ajudar a Igreja a entender a realidade de violência contra a população LGBTQIA+, teológica e socialmente: “é possível vermos como Girard entende os mecanismos violentos de exclusão que os diferentes grupos humanos fazem com uma série de grupos considerados perigosos, contaminantes, diferentes. A partir disso, chegam a ser bem compreensíveis os mecanismos irracionais que levam à exclusão e tratamento indigno das pessoas gays e lésbicas em nossa sociedade precisamente porque chegam a ser portadores de acusações estereotipadas, como se estivessem causando o colapso da sociedade, da família e da moral”, explicou em entrevista concedida ao IHU.
Ainda com base em Girard, Alison entende que a teoria mimética dá bases para interpretar o desejo e o amor homossexual de forma não-violenta. “É possível para uma pessoa gay amar outra do mesmo sexo, não só como ‘presa’ para olhos cobiçosos, mas de maneira pacífica, de forma a querer o bem dela, a fim de que ela frutifique. Essa é a importância do pensamento de Girard: distinguir entre o desejo possessivo/rivalístico, por um lado, e o desejo pacífico/criador, por outro”, explica em outra entrevista concedida para o IHU.
Ainda, para Alison a própria Igreja se contradiz na sua doutrina ao considerar os homossexuais como depravados: “‘A graça aperfeiçoa a natureza’. Isso significa que é impossível considerar que uma pessoa humana tenha, em uma parte de si, um desejo que seja intrinsecamente perverso. O desejo de todos nós é, em si, em princípio, uma coisa boa, mesmo que todos vivamos numa distorção e desordem muito grande. Porém, o atual ensino da Igreja, nessa matéria, tende a sugerir que o desejo homossexual é uma desordem objetiva. Na medida em que esse ensino insiste na depravação radical do desejo pelo mesmo sexo, ele está caindo numa heresia a partir do ensino tradicional do ponto de vista da graça e da natureza”.
Sobre as polêmicas em torno das recentes declarações do Papa Francisco sobre a união civil de casais homossexuais e do Responsum da Doutrina da Fé sobre a benção a essas uniões, Alison condenou a postura da Igreja como anacrônica, anticientífica e antievangélica. “Quando todo mundo dava como suposto que LGBT era vício ou patologia, o que se deduzira nos princípios, regido por um a priori baseado no ato matrimonial, foi um erro antropológico que se correspondia com o sentido comum da época, agora não mais. Porém, com o que aprendemos ao longo dos últimos 70 anos sobre o não patológico das diversas orientações sexuais e identidades de gênero, já não. Querer insistir, como se fosse de Deus, nos quais as pessoas deduzam o que são a partir de premissas estabelecidas a priori, para chegar a concluir que sofrem uma tendência objetivamente desordenada (e por isso seus atos são intrinsecamente maus), deixa de ser um erro para se tornar um ato de obstinação contra a recepção cristã da verdade inteligível sobre o criado. Uma autêntica pedra de tropeço, ou skandalon”, afirmou em entrevista traduzida para o português pelo IHU.
James Alison revelou no artigo “Trazido à vida por Cristo”, publicada na série “Como minha mente mudou”, do portal Christian Century (disponível em inglês, neste link) como se deu a autoaceitação à sua orientação sexual. “Na escola só para meninos, aos nove anos, descobri a batalha da minha vida. Me apaixonei por um colega de beleza estonteante. Foi uma experiência totalmente dolorosa”, conta. Ainda, Alison relata que participou de três sessões de cura gay, e saiu “tão gay quanto entrou”.
Aceitou-se quando ainda estava no Brasil, e ficou sabendo da morte de Laércio, o homem que amava há anos. Essa perda lhe machucou tanto que o fez perceber que o amor era real, divino. Foi esse o fato que também matou o “seu personagem”, o Alison que se negava. “A morte deste personagem foi possível porque o dom da fé estendeu-se para me dar uma prova, desde já, da vida eterna. Essa sensação, de que a morte está misteriosamente atrás de mim, não mais de abandonou desde então. Finalmente eu havia morrido e estava começando a me tornar vivo em Cristo”.
Alison guardou essa condição por anos até escrever para a Congregação para os Sacramentos no Vaticano revelando sobre a possível nulidade dos seus votos. O Vaticano respondeu confirmando sua ordenação e pedindo para que ele solicitasse a laicização. Alison, no entanto, entendeu que o processo para a laicização “também o faria proferir mentiras”. Portanto, passou os anos seguintes vivendo uma nova condição do seu sacerdócio, sem “escandalizar”.
Alison ganhou o apoio de diferentes grupos, mas sobre a sua situação canônica, não encontrou respostas. Apenas na década seguinte um superior dominicano se manifestou lhe oferecendo a dispensa da ordem religiosa. Alison continuou sendo rejeitado por bispos e cardeais, sem vínculo com nenhuma diocese ou ordem religiosa, e não abandonou o ministério sacerdotal, até receber uma carta da Congregação para o Clero, escrita em latim, anunciando que havia sido laicizado forçadamente.
Mesmo nesta condição, Alison continuou sendo convidado para palestrar, assessorar retiros, presidir celebrações e até lançou um site para com materiais para liturgias eucarísticas inclusivas. E desde 2017 tem feito isso tudo com o aval do Papa Francisco:
“Recebi um telefonema. Era domingo, 02-07-2017, por volta das 15h em Roma e Madri.
— Sou eu, o Papa Francisco.
— Sério?
— Não, brincadeira, filho. Quero que caminhes com plena liberdade interior, seguindo no espírito de Jesus. Eu te dou o poder das chaves, me entendes? Te dou o poder das chaves”.
O telefonema não foi bem uma surpresa, Alison conseguiu por meio do seu antigo mestre de noviciado e hoje bispo entregar uma carta a Francisco pedindo para que o ajudasse em regularizar sua situação. Foram meses até conseguir essa resposta informal, o que é pouco tempo considerando os tantos anos em lutas consigo e com o alto clero, para hoje ser testemunho de como sair do armário e estar ao lado da população LGBTQIA+ é profético.